Manoel Bione (mbione@papafigo.com)

HAVANA – Não sei se você conhece. Chico César tem uma música chamada Pedra de Responsa. Ela começa assim: “Quando fui na ilha maravilha/ fui tratado como um paxá…”. Ela me veio à memória quando desembarquei em Cuba. Pela letra, nota-se que a música não se refere a Cuba, mas a uma ilha brasileira – possivelmente, Marajó. Mas grudou na minha mente durante o tempo em que fiquei na curiosa ilha caribenha. Lá não fui exatamente tratado como um paxá, mas cheguei perto. Ao adentrar o hotel, em Varadero, além de um mapa detalhando os espaços do imenso resort, fui informado que no meu pacote da passagem constava “all
inclusive”. Quer dizer que eu teria direito de beber e comer – principalmente beber – tudo a qualquer hora.

Soltei as malas na recepção e corri para o bar mais próximo. Explique-se que o imenso estabelecimento conta com dezenas de bares e restaurantes, distribuídos ao longo de seu mais de um quilômetro quadrado. Encostei no balcão e vislumbrei uma garrafa de Havana Club sorrindo matreira para mim. Provei um anejo ocho años puro. Depois vieram um blanco com limão e gelo. E tome Cuba Libre, Mojito, Piña Colada…

Sorrisos me rodeavam. Ainda hoje não sei se pela simpatia natural dos cubanos ou em busca de gorjetas, que lá eles chamam de propina. Já foi dito que o povo cubano é muito parecido com o brasileiro. Mas logo o associam aos baianos, como se todos fossem puxados para a cor escura. Ledo engano, nos lugares onde me hospedei e pela s ruas por onde transitei me deparei com negros, mulatos e brancos, como no Brasil.

No dia seguinte à chegada, pegamos um carrinho elétrico (de cinco em cinco minutos passa um para levá-lo por dentro do perímetro do resort). Fomos conhecer as famosas praias caribenhas da ilha, naturalmente privativas do hotel e dos demais resorts que povoam Varadero. À primeira vista, nada que as distingam de nossas orlas nordestinas. Areia branca, águas translúcidas e calientes . O diferencial se faz sentir na medida em que você avança mar adentro. Depois de caminhar até a água chegar ao pescoço, você nota que não afunda. A salinidade e, consequentemente, a densidade é maior que a das nossas praias. Dá para boiar numa boa.

Mudando de Varadero para Havana, passamos por amplas avenidas. A maior delas se chama Quinta Avenida. Ela é povoada de casarões belíssimos, que lembram a avenida Paulista de quarenta anos atrás – antes que aqueles monumentos representantes da época da opulência da cafeicultura fossem tombados, literalmente. Talvez a pobreza da ilha tenha sido aliada da preservação desse patrimônio. Ao longo da via identificamos várias embaixadas. Da Espanha, dos Emirados Árabes, da Alemanha… e muitas outras.

Pedi ao taxista para passar num supermercado para comprar algumas coisas para levar ao hotel. Tudo bem. São mini-mercados bem sortidos, que os nativos chamam de tendas. Ele dobrou um giradouro e ficou me esperando no táxi, um Oldmosbile 1954 bem conservado. Na continuidade da viagem ao hotel o chofer me pediu licença para fazer um retorno por dentro de uma, digamos, comunidade, a fim de encurtar caminho. Concordei.

Fiquei pasmado. Paralelamente àquela ampla e arborizada Quinta Avenida, convivia um bairro pobre, de ruas esburacadas e lamacentas, com pessoas nas calçadas, conversando, bebendo e/ou jogando dominó. Algumas acenavam para nós, sorridentes – o carro tinha as janelas abertas, pois ar-condicionado era inviável pela idade do carro. Outra curiosidade: todas, literalmente todas as casas, estavam fortemente protegidas por grades nas portas e janelas. Pegamos de volta a Quinta Avenida e desembarcamos de vez no hotel, antes de viajarmos no retorno ao Brasil.

Uma experiência cara, nos dois sentidos, já que os preços de tudo são em Euro, que viram Pesos Convertidos, ou CUCs, com valores mais ou menos paritários. Apesar e por tudo que vi e vivenciei, voltarei para Cuba na próxima oportunidade, antes que Trump a afunde. Já embarcado de volta ao Brasil, cantarolo na mente o refrão da música de Chico César: “É pedra/é pedra/ é pedra./ É pedra de responsa. / Mamãe eu volto pra ilha/ nem que seja montado na onça”.

Manoel Bione é médico e jornalista (blog: papafigo.com)