*Manoel Bione

Eu vivo, resido e padeço no bairro de Boa Viagem, que como boa parte de nossa cidade, sofre das mesmas mazelas sonoras. Em minha rua é proibido esticar seu sono por uns minutos a mais. Basta bater o cuco das oito da matina para você compreender que os mascates ganharam a histórica guerra. O tal Carro do Ovo te aconselha, berrando, que você “economize comprando e compre economizando” (sic).

Não se anime com a paz que se segue. Logo após os 15 minutos regulamentares, o silêncio mais uma vez é quebrado e espatifado, agora pelo carro do gás. Do seu altíssimo-falante o vendedor grita, quase estourando seus tímpanos: “compre seu gás com toda garantia e segurança…” Antigamente, quando o botijão custava 30, 40 patacas reais, ele revelava o preço. Hoje, no entanto, talvez com medo de causar um infarto do miocárdio em seu potencial cliente, esse detalhe é ocultado.

E a fila de vendedores com os seus infames megafones continua. E tome tapioca com café quentinho, logo em seguida passa o vendedor de cremosinho (se eu souber do que se trata, eu choche!). E o martírio só se encerra com o tradicional apito do cuscuz, lá pelas seis da noite que entra.

“Por que você não dá um pulo na praia pra relaxar, afinal fica perto de sua casa?”. Sugere-me um penalizado amigo. Só não salpiquei-lhe uma bicoca nos lábios como agradecimento pela idéia porque não sou chegado a essas intimidades LGBTRSTUVWXZ++++. Manhã ensolarada, maré baixa, nenhum tubarão à vista, short tipo samba canção no corpo e toalha no pescoço. Na bela orla de Boa Viagem me aboleto no guarda-sol de meu amigo Araquém, que já me socorre com uma providencial bier geladíssima. Cinco segundos e a tortura volta a atacar. Banhistas acionam suas mini caixinhas de som, ligadas a 5 mil decibéis, que apostam qual toca a música mais alta e de mais baixa qualidade.
Desolado, caminho de volta ao reduto do meu lar. Já subo calculando a altura do apê e se não existe nenhum obstáculo que atrapalhe meu mergulho em direção ao barulhento asfalto da avenida.

*Manoel Bione é médico psiquiatra, jornalista e editor do Papafigo