Por Zeferino Cascagrossa*

Num belo sábado noturno
Bione teve uma ideia
Foi fazer um balanço
De sua vida plebeia
De vícios e fuleragens
Depravada e ateia.

Encheu a cara de cana
De tanta decepção
Em vez de um cara bacana
Bom exemplo, bom cristão
Viu diante do espelho
Um monstrengo trapalhão.

Metido a falar mal
Dos nossos bons governantes
Dos ricos e poderosos
Gente boa e galante
Daí caiu balbuciando:
“Que eu morra neste instante!”.

Exclamou ele a gemer
Tremendo e estrebuchando
Nisso, teve um vislumbre
Um alazão viu chegando
A Morte estava na rédea
Atrás foi ele levando.

Essa viagem durou
Bem menos que um segundo
E num instante ele estava
Lá na fronteira do mundo
Deus e o Diabo sentados
Num bate papo profundo

Falavam do Bem e do Mal
Enquanto as almas contavam
Salvando as que iam pro Céu
E as demais que sobravam
Eram jogadas no abismo
E no Inferno afundavam.

Nisso, a Morte entregou
Bione pro “tribunaL”
Deus disse: “Eu não quero
Pra mim ele faz muito mal
Chegando no Paraíso
Vai logo fazer um jornal.

Esculhambar todo mundo
Falar da Virgem Maria
Gozar com São Benedito
Vai ser a maior agonia
Aonde vai jornalista
Só predomina anarquia”.

“Para o Inferno não vai”
Disse o Capeta zangado
“Lá, Gregório de Mattos
Fez um estrago arretado,
O Stanislaw foi chegando
E o desmantelo aumentado”.

“Pra completar o furdunço
O Padre Carapuceiro
Juntou-se a Itararé
Fizeram o maior salseiro
Me esquentaram a cerveja
E esfriaram o braseiro”.

No meio da confusão
Naquele disse-me-disse
Bione viu o alazão
E sem que ninguém o visse
Fugiu pra estrebaria
Pois não nasceu pra burrice.

A Morte bem distraída
Curtia a discussão
Deus e o Diabo berravam
Mantendo a opinião:
– Lá no inferno não entra!
– O Céu é lugar de Cristão!

Bione pegou o cavalo
Partindo em disparada
Sem que ninguém percebesse
Numa carreira arretada
Da discussão dos dois donos
De longe ouvia a zoada.

O alazão bem selvagem
Voava pelo espaço
Num sofrimento medonho
Pelas esporas de aço,
Pelo chicote açoitado
No meio do espinhaço.

Nisso, tombou de cansaço
Não pôde mais galopar
Bione voou para longe
Fazendo estrondo no ar
E foi cair bem sentado
Numa cadeira de bar.

Numa birosca sujinha
Em pleno sábado à noite
Sem entender patavina
(Passava da meia-noite)
E ele só repetia:
“Da Morte eu vi o açoite”.

E o garçom explicava
“Foi algo que tu bebeu
Um uísque do Paraguai
Em tua trave bateu
Pois tás aí arriado
Desde que escureceu”.

Não sei se foi fantasia
Ou a verdade mais crua
Se foi sonho ou delírio
Ou influência da lua
Mas tem um cavalo caído
Morto, no meio da rua.

*Zeferino Cascagrossa da Silva
é correspondente do Papa-Figo em Caetés
e biógrafo não autorizado de Bione.