Manoel Bione*

Desde pixototinho torço pelo Santa Cruz Futebol Clube. Possivelmente, por influência afetiva
de dois queridos irmãos. Em Timbaúba, minha cidade adotiva, A Voz Cultural da Princesa
Serrana, a potente difusora local, narrava todas as partidas do Santinha. A “Voz de Ouro” de
Ivan Lima, acompanhada dos comentários de José Santana, entrava, todos os domingos, nos
lares dos torcedores da Clube das Multidões.

O anúncio do início das obras para a construção do estádio do Arruda se tornou o assunto
do momento nos bancos da praça João Pessoa, a mais central da cidade e onde rolava uma
espécie de sarau de notícias, nas frias noites do lugar. Recife era uma capital distante e uma
viagem de ônibus demorava “intermináveis” três horas. Assistir a um jogo d’O Mais Querido
não passava de um sonho longínquo.

Cresci, desmistifiquei a distância e a grandeza do Recife. Já morando na chamada Veneza
Brasileira, passei a frequentar, assiduamente, as Repúblicas Independentes do Arruda. Assisti a
jogos memoráveis. Vi o todo-poderoso Santos de Pelé cair por 3 a 2, picado pela então
venenosa Cobra Coral. E vibrei com outras grandes vitórias saídas dos pés de ídolos, como
Henágio, Fumanchu, Nunes, Joãozinho e Erandir, o famoso “homem de vidro”.
Lembro-me bem da vitoriosa campanha do Santinha no Campeonato Brasileiro de 1975.
Jogando em pleno Maracanã lotado, o time meteu 3 a 1 no “invencível” Flamengo. No Arruda,
jogaria contra o Cruzeiro. Porém, já perto do final da partida, que estava 2 a 2, Palhinha
marcara o gol fatal do clube mineiro. Para muitos, em posição de impedimento. E o Santa
terminou, na competição, entre os quatro melhores do país, com direito a capas da Veja e da
Placar.

Hoje, nós olhamos o glorioso Clube das Multidões pelo espelho retrovisor. Sua morte em
conta-gotas se aproxima quase inexorável. A ampulheta do tempo não tem perdoado a
sucessão de erros que seus dirigentes vêm cometendo ano após ano. Políticas errôneas e até
desonestas. Presidentes que tiveram sua carreira política impulsionada pela grande massa
tricolor… E todos cultivaram ou cultivam uma característica comum: a surdez ante as
sugestões de melhorias administrativas e estratégicas que sempre visaram tirar a equipe do
buraco para o qual caminha, lenta e irreversivelmente. Uma espécie de arrogância da
incompetência.

Jamais se debruçaram sobre a história do clube. Pois, se o fizessem, saberiam que essa
política de desmanchar um time a cada final de temporada não rende mais do que impagáveis
processos na justiça do trabalho. Sequer recordam-se dos trabalhos de base que eram feitos,
de cujos frutos nos lembramos até hoje, como Ramon, Givanildo, Rivaldo e muitos outros.
Pelo caminhar de dona História, o que resta para nós, torcedores da Cobra Coral é o
saudosismo de um time outrora grandioso. Como foi um dia o América Futebol Clube, o
inesquecível Campeão do Centenário.

E se não me falha a cigana, daqui a pouco meu querido Santa Cruz não passará de um quadro
na parede. E como vai doer!

*Manoel Bione é médico psiquiatra e jornalista (mbione@uol.com.br)